domingo, 28 de novembro de 2010

Das ruas para os lares

Animais transmitem doenças e causam acidentes no trânsito. Só a adoção consciente pode acabar com o problema do abandono no litoral catarinense

Eu chamo sua atenção – brinco, rolo, faço barulho, na esperança de que você me note, seja nas ruas, numa caixa de papelão ou numa feira de adoção. Sou vira-latas, tenho um cérebro pequeno, ajo por instinto, mas meu coração sente quando sou maltratado. Tudo o que peço é um lar, comida e um pouco de companhia – não quero luxo, nem lixo. Não sei o que é pet-shop, nunca tomei banho, não fui vacinado, nem mesmo castrado. Fui levado, quando ainda era amamentado, para servir de presente de aniversário infantil. O garoto até ficou feliz no começo, mas depois percebeu que faço xixi, cocô, que não gosto que puxem minhas orelhas e meu rabo. Então um poodle chamado Scooby tomou meu lugar e eu fui parar num terreno baldio, onde aprendi a me virar. Já morei em casa com piscina, em barraco de favela. De repente, nem sei mais onde moro ou como me chamo: Totó, Rex, Billy...  Só sei que existem muitos como eu pelo mundo a fora – eu sou um animal abandonado.

Uma pesquisa realizada em 12 abrigos de animais nos Estados Unidos revelou as principais causas de abandono de animais: 18,5% dos 1984 cães e 37,7% dos 1.286 gatos foram parar nos abrigos por sujarem a casa. O estudo, publicado na revista veterinária "Journal of Applied Animal Welfare Science" ainda mostrou que a maioria das causas de abandono está relacionada com comportamento destrutivo do animal e por ele exigir atenção demasiada. Os motivos são banais, mas o ato é considerado crime de maus tratos e o infrator pode ser punido com detenção de três meses a um ano. Abandonar um animal, segundo a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, é um ato de crueldade.

Ieda Passos, coordenadora do Núcleo de Controle de Zoonoses de Itajaí, conta que muitos cães são abandonados quando ficam doentes. “É como se uma pessoa abandonasse um parente, só porque ficou doente.” A coordenadora conta que muitos ligam pedindo a remoção do animal quando entra no cio. “Quando veem que a cadela vai dar cria e não podem ficar com os filhotes, eles desistem do animal e ainda nos pedem para trazê-los ao canil.”

Vida de cão

Em Balneário Camboriú, a vida de cão não é nada fácil, principalmente se este for um vira-latas. Não é difícil esbarrar com animais de rua pela cidade. Eles estão por toda a parte, revirando o lixo ou procurando uma cadelinha no cio. Fato é que não há preocupação do governo municipal com relação a esse assunto.  A ONG Viva Bicho é a única responsável pelo recolhimento de animais abandonados. Mara Walter, voluntária da ONG, diz que “a cidade precisa resolver o problema do abandono. Para isso, insistimos na castração: é um procedimento simples, que resolve tudo. A câmara de vereadores aprovou 30 castrações gratuitas de machos por mês, mas ainda é pouco”. Mara conta que todos os animais adotados nas feiras da ONG recebem a castração gratuitamente, além de serem desverminados e vacinados.

Na Viva Bicho, os voluntários se dedicam a cuidar dos animais abandonados até que eles sejam adotados. Essa dedicação é mantida com contribuições, mas muita gente leva cães e gatos de rua para a ONG, quando poderiam levá-los para casa. Isso sobrecarrega a organização, que de acordo com Mara, precisa de lares provisórios para os animais.

O abandono prejudica toda uma população. Atualmente, essa é uma questão de saúde pública e segurança na maioria dos centros urbanos. Quando cães ou gatos são jogados nas ruas, eles passam a ser transmissores de doenças e podem provocar acidentes de trânsito. Em Balneário Camboriú, onde não há canil municipal ou controle de zoonoses, a situação se agrava: os animais são abandonados em qualquer lugar. Com isso, principalmente os cães, transitam livremente pela cidade e pela praia, onde depositam fezes e urina na calçada e na areia. As fezes de um animal podem transmitir diversas doenças às pessoas que eventualmente caminharem por esses lugares.

Zoonoses: um problema de terceiro mundo

Doenças transmitidas por cães a outros animais, inclusive ao homem, são chamadas zoonoses. A leptospirose é uma delas. Em caso de enchentes e alagamentos, cães também estão sujeitos a contrair a doença através do contato com a urina do rato. Após contrair, este animal depositará suas fezes e urinas, aumentando o risco de transmissão para seres humanos. Outra doença de fácil prevenção (vacina), ainda faz vítimas no Brasil – a raiva é causada por um vírus mortal, que afeta mamíferos em geral. 

Para controlar a proliferação dessas doenças, existe o Centro de Controle de Zoonoses. O veterinária Andréia Dietrich Porto, do Canil Municipal de Itajaí fala sobre a importância de haver um controle de zoonoses nos municípios: “os centros de zoonoses atuam juntamente com as secretarias de saúde, controlando e prevenindo a proliferação de doenças entre animais e seres humanos. Através desse controle, todos são beneficiados.”

Em Itajaí, a Secretaria Municipal de Saúde realiza um importante trabalho com o canil municipal e o Centro de Controle de Zoonoses: recolhem os animais abandonados e os separam em grupos (doentes, sadios, fêmeas, machos e filhotes). Depois, esses animais são tratados por veterinários e colocados para a adoção no próprio canil, ou são organizadas feiras de adoção. Ieda Passos, coordenadora do núcleo, avisa que para adotar, é preciso assinar um termo de responsabilidade, se comprometendo em cuidar do animal. Com isso, a preocupação é de que os animais adotados recebam um lar adequado e que os interessados tenham consciência de suas necessidades antes de levá-los para casa.
O Canil Municipal de Itajaí

No Canil Municipal de Itajaí, cerca de nove profissionais trabalham para retirar os animais das ruas e encaminhá-los para os lares. Dois veterinários cuidam da saúde, enquanto seis pessoas trabalham na limpeza. Segundo a coordenadora do núcleo de zoonoses, existem atualmente cerca de 300 animais e o número só cresce.

Este trabalho pode ser considerado um exemplo para cidades como Balneário Camboriú. O canil possui uma infra-estrutura simples, sem luxo, mas abriga confortavelmente os animais recolhidos das ruas. Ieda Passos conta que a maior parte dos cães e gatos abrigados no local é formada por vítimas de atropelamento, maus-tratos e abandono. “Recolhemos muitos bichos maltratados, mutilados (sem rabo, orelha), vítimas de queimadura com água fervente.” Ieda ainda ressalta que não há mais espaço, apesar do canil ser grande. 

O cachorro Pretão, como foi apelidado pelos funcionários do canil, foi vítima de atropelamento e recolhido. Após operar uma das pernas dianteiras, os veterinários constataram que será necessário amputá-la. Pretão sofre com a dor, levanta e abaixa a perna o tempo todo, na vontade de apoiá-la no chão. Agora, o vira-latas encontra mais um obstáculo: além de deficiente, Pretão é um jovem adulto, e dificilmente encontrará um lar.

Encontrada com a cabeça queimada, a gata vira-latas corta o coração de quem se aproxima. Ela foi vítima da crueldade de alguém, que se dispôs a ferver um bule de água e esperar o momento certo para acertá-la. Em uma das “gaiolas” reservadas para animais em recuperação, a gata observa a movimentação, com olhar desconfiado e ao mesmo tempo desolado, como se soubesse exatamente o tamanho da maldade que a levou até ali. 
 
A adoção consciente

Uma das principais causas de abandono é a adoção impulsiva. Muitos adotam por uma vontade momentânea, mas acabam se arrependendo. Para acabar com isso, a adoção consciente vem sendo defendida por protetores de animais, veterinários e canis municipais. A posse responsável é um conjunto de normas, que fazem a relação entre animal e dono mais saudável. Adotar com consciência nada mais é que ter conhecimento das próprias necessidades e as do animal. Por exemplo: um animal de grande porte não pode ser mantido em lugares pequenos. Se o dono mora em apartamento, ele deve saber que não pode ter um Dog Alemão ou um Rottweiler.  Proteger o animal também é regra: deve-se manter o cão dentro de casa. Mas isso não significa que ele deva ficar preso – o dono deve sempre levá-lo para passear, com coleira, guia, focinheira e saquinhos plásticos para recolher as fezes do animal.            

A mesma crueldade que maltrata um animal indefeso, leva ao abandono. O abandono leva, consequentemente, a acidentes, transmissão de doenças e à tristeza, depressão. Um cão que chora de saudades do dono é como uma criança que chora de saudades da mãe. Mas como cão não é gente, a comoção é rara ou hipócrita. Bicho não é gente nem objeto que se joga fora. Não se deve tratá-lo melhor do que uma pessoa, mas não se deve machucá-lo toda vez que ele latir à noite, ou fazer xixi onde não deve. Antes de adotar ou comprar um animal, deve-se ter consciência de que ele vai viver cerca de 20 anos, ficar doente, pedir carinho e comida. E se você achar que é muito, pense no que ele pode te dar, mesmo quando você não der nada a ele – ao chegares em casa e vir teu cão ficar feliz em te ver, saiba que isto se chama amor incondicional.

Nenhum comentário: