quarta-feira, 30 de maio de 2012

Resenha - Jogo de Cena


O Teatro Glauce Rocha é o palco para “Jogo de Cena”, de 2007. Trata-se de um documentário de Eduardo Coutinho sobre histórias de mulheres unidas pelos dramas da vida, que mistura realidade e interpretações de atrizes como Marília Pera, Fernanda Torres e Andréa Beltrão. Essa mistura de realidade e interpretação é a brincadeira proposta pelo diretor – ela acontece no palco, regada a lágrimas, risos e vozes embargadas. E tudo isso começou com um anúncio no jornal – a produção do filme solicitou mulheres que tivessem uma história sobre si mesma para contar em frente às câmeras. O resultado foram 83 respostas, das quais 23 foram selecionadas. 

“Jogo de Cena” não apenas traz atrizes de alto nível, mas desafios completamente diferentes para todas elas e também para o espectador que tenta decifrar o que é relato e o que é interpretação. Ao mesclar participações de ícones consagrados com atrizes desconhecidas, acostumadas com papéis de pouco destaque, Coutinho acaba por fazer esta obra ainda mais intrigante. Mas reconhecer quem está contando sua própria história e quem está interpretando não é a proposta central deste documentário.

A emoção está presente em cada personagem e o drama é o vínculo entre cada uma das mulheres, sejam elas atrizes ou não. Alguns fatos em comum são o nascimento ou a perda de um filho, o conflito entre familiares e a relação com a religião. São relatos banais que se destacam por suas singularidades e pelos recursos usados nas representações. 

É normal sentir-se enganado no decorrer da obra. “Jogo de Cena” tem justamente o objetivo de trair seu público, de emocioná-lo com a mesma história mais de uma vez. E não é necessário haver lágrimas para causar comoção ou acrescentar dramaticidade ao relato. Marília Pera diz que “esconder a lágrima durante o choro dá mais sinceridade ao sentimento”. 

Eduardo Coutinho é um dos mais competentes nomes do gênero documentário no Brasil. O cineasta é conhecido por sua sensibilidade ao abordar a realidade brasileira, do povo brasileiro, de maneira profunda e humanizada. Sua carreira no cinema começa com a ficção, na qual firmou parcerias com Leon Hirzsman, Eduardo Escorel, Bruno Barreto e Zelito Viana. Coutinho ainda trabalhou como redator, editor e diretor de médias-metragens para o Globo Repórter, onde permaneceu até 1984, realizando documentários rodados em 16 mm, sempre com liberdade editorial, algo surpreendente para uma época em que a ditadura militar no Brasil dava seus últimos suspiros. Ainda em 1984, Coutinho criou uma de suas mais importantes obras, “Cabra Marcado para Morrer”, que narra a história de um líder camponês da Paraíba assassinado em 1962. Este semidocumentário lhe rendeu 12 prêmios, entre eles um Fipresci no Festival de Berlim em 1985. 

“Jogo de Cena” foi o penúltimo filme lançado com autoria de Eduardo Coutinho. Seu último documentário, de 2009, é “Moscou”, uma espécie de continuação para “Jogo de Cena”. No Internet Movie Database (IMDB), “Jogo de Cena” recebeu nota 8.8 numa escala de dez e comentários elogiosos dos usuários. O sucesso deste documentário reafirma o talento de Coutinho, que conseguiu transmitir emoção e realismo através da linha tênue que separa o relato da interpretação.