O Teatro Glauce
Rocha é o palco para “Jogo de Cena”, de 2007. Trata-se de um documentário de
Eduardo Coutinho sobre histórias de mulheres unidas pelos dramas da vida, que
mistura realidade e interpretações de atrizes como Marília Pera, Fernanda
Torres e Andréa Beltrão. Essa mistura de realidade e interpretação é a
brincadeira proposta pelo diretor – ela acontece no palco, regada a lágrimas,
risos e vozes embargadas. E tudo isso começou com um anúncio no jornal – a
produção do filme solicitou mulheres que tivessem uma história sobre si mesma
para contar em frente às câmeras. O resultado foram 83 respostas, das quais 23
foram selecionadas.
“Jogo de Cena” não
apenas traz atrizes de alto nível, mas desafios completamente diferentes para
todas elas e também para o espectador que tenta decifrar o que é relato e o que
é interpretação. Ao mesclar participações de ícones consagrados com atrizes
desconhecidas, acostumadas com papéis de pouco destaque, Coutinho acaba por
fazer esta obra ainda mais intrigante. Mas reconhecer quem está contando sua
própria história e quem está interpretando não é a proposta central deste
documentário.
A emoção está
presente em cada personagem e o drama é o vínculo entre cada uma das mulheres,
sejam elas atrizes ou não. Alguns fatos em comum são o nascimento ou a perda de
um filho, o conflito entre familiares e a relação com a religião. São relatos
banais que se destacam por suas singularidades e pelos recursos usados nas
representações.
É normal sentir-se
enganado no decorrer da obra. “Jogo de Cena” tem justamente o objetivo de trair
seu público, de emocioná-lo com a mesma história mais de uma vez. E não é
necessário haver lágrimas para causar comoção ou acrescentar dramaticidade ao
relato. Marília Pera diz que “esconder a lágrima durante o choro dá mais
sinceridade ao sentimento”.
Eduardo Coutinho é
um dos mais competentes nomes do gênero documentário no Brasil. O cineasta é
conhecido por sua sensibilidade ao abordar a realidade brasileira, do povo
brasileiro, de maneira profunda e humanizada. Sua carreira no cinema começa com
a ficção, na qual firmou parcerias com Leon Hirzsman,
Eduardo Escorel, Bruno Barreto e Zelito Viana. Coutinho ainda trabalhou como
redator, editor e diretor de médias-metragens para o Globo Repórter, onde
permaneceu até 1984, realizando documentários rodados em 16 mm, sempre com
liberdade editorial, algo surpreendente para uma época em que a ditadura
militar no Brasil dava seus últimos suspiros. Ainda em 1984, Coutinho criou uma
de suas mais importantes obras, “Cabra Marcado para Morrer”, que narra a
história de um líder camponês da Paraíba assassinado em 1962. Este
semidocumentário lhe rendeu 12 prêmios, entre eles um Fipresci no
Festival de Berlim em 1985.
“Jogo de Cena” foi
o penúltimo filme lançado com autoria de Eduardo Coutinho. Seu último
documentário, de 2009, é “Moscou”, uma espécie de continuação para “Jogo de
Cena”. No Internet Movie Database (IMDB), “Jogo de Cena” recebeu nota 8.8 numa
escala de dez e comentários elogiosos dos usuários. O sucesso deste
documentário reafirma o talento de Coutinho, que conseguiu transmitir emoção e
realismo através da linha tênue que separa o relato da interpretação.